segunda-feira, 5 de abril de 2010

Conto:Almas Gêmea.


De: Sylvio Moura.

Ela – Olha a caixa no chão, encolhe o corpo ainda mais ao som da porta do prédio que se fecha com violência quando ele sai de casa. Uma lagrima escorre pelo seu rosto moreno claro e macio, seus cabelos castanhos da cor dos olhos, caem levemente sobre sua face até passar por seus ombros e se dividirem entre suas costas e seus braços cruzados sobre os seios. Quando percebe que está só, ela se levanta, anda até a janela, e observa o céu, as nuvens negras são de tempos e tempos clareadas pelo clarão de um raio, a chuva cai grossa, ela abre a janela e sente a brisa fria lá fora.

Ele – caminha lentamente pela chuva, tentando proteger seu cigarro e isqueiro numa tentativa falha de acendê-lo. seus cabelos curtos despenteados e molhados, sua capa de chuva que desce até os pés, seu terno molhado por debaixo da capa e seus sapatos novos lhe dão um ar estrangeiro, como que saído de um velho filme, sua pele branca e seus traços europeus (talvez italiano) reforçam ainda mais a impressão de um filme velho de Hollywood. Ele, para e ri de sua tentativa frustrada de acender o cigarro, olha para o céu, as nuvens negras e a chuva pesada lhe ferem os olhos sem que ele possa observar o céu.

Ela – está olhando o nada, fora de seu apartamento, uma rajada de ar mais frio lhe trás a sensação de solidão, ela retorna para o interior do apartamento, caminha na sala escura, um blusão velho e largo com estampa e uma calça de flanela verde lhe cobrem o corpo, ela caminha até a cozinha, pega uma garrafa de vinho semi vazia na geladeira, põem todo o conteúdo em um copo de requeijão, e volta para a janela a ponto de velo uma ultima vez, seu rosto se contrai e uma nova lagrima lhe corre o rosto.

Ele – olhando perdido ao céu, não sabe para onde vai, nem de onde vem, ele olha estagnado o céu, perdido entre a chuva com os olhos fechados. Quando ele sente um empurrão do lado direito do corpo, um sujeito passa apresado dando-lhe um esbarrão, o sujeito continua sua caminhada sem olhar para trás, ele gira o corpo junto com o esbarrão, ainda solta um _hooo, porem o sujeito não para, segue firme o seu destino. Ele para, observa o sujeito indo embora, ele ri da cena, se sente invisível, ele ri do próprio pensamento, da de ombros e volta para a direção em que ia e volta a caminhar.

Ela – olha o copo, meio vazio, está estagnada não vê e não pensa nada, apenas a cor do vinho, balançando no copo junto com sua mão, seu corpo balança involuntariamente, empurrada pelo vento que entra pela janela, de repente ela se dá conta de que no canto esquerdo do seu olho está visível a caixa de papelão com algumas coisas deles, ela se senta sobre as próprias pernas, põem o copo no chão e começa cuidadosamente a mexer nas roupas, ela sente o cheiro dele, fecha os olhos e lembra das coisas boas que se passaram entre os dois.

Ele – abre os olhos após o liquido quente ter-lhe percorrido a garganta, ele sente a bebida lhe percorrer todo o corpo, primeiro descendo até o estômago e ai se espalhando para os pés até a cabeça. Um : _haarr lhe sai forçadamente da garganta, rapidamente ele bate o copo e pega um isqueiro seco e amarrado no balcão com que acende o cigarro que tanto lhe dera trabalho para acender, ele tosse umas duas vezes enquanto tira o dinheiro pára pagar a bebida, deixa sobre o balcão uma nota de 2 reais e sem esperar o troco agradece e anda até a beira do bar, observa agora a chuva, e lembra de casa, a velha casa escura e solitária em que deve voltar para poder descansar para ter forças para trabalhar no dia seguinte, ele respira fundo, e sai na direção da rua para atravessá-la quando uma caixa de papelão com roupas velhas lhe passa rapidamente vindo do alto pela direita, imediatamente ele para assustado e quase sem entender olha para o lado, para a caixa, pisca uma, duas vezes, e segue o caminho até o alto, não vê ninguém, com o susto ele se distrai e o cigarro lhe foge da boca, instantaneamente ele tenta pegar o cigarro que cai no chão, ele se abaixa e o pega, ainda está acessa, ele a limpa bota novamente na boca e atravessa a rua, em direção ao ponto.

Ela – se assusta ao perceber que quase acertou um homem ao atacar a caixa pela janela, antes que ele a veja ela volta a cabeça para dentro do prédio, sua respiração fica ofegante, seu pulso dispara, num momento de nervosismo ela passa a rir da própria situação, até que começa a chorar, ela balança a cabeça e senta na poltrona, pensa em tudo o que aconteceu, lembra do homem e se levanta rapidamente, quando se levanta pega o copo de vinho no chão ao seu lado e olha pela janela, ainda consegue ver o homem no chão pegando algo, se levantando, dando uma tragada e seguindo para o outro lado da rua.

Ele – chega do outro lado e olha para cima, para o prédio, e vê uma jovem morena clara de cabelos castanhos longos e roupas velhas, segurando um copo entre as mãos e lhe olhando.

Ela – percebe quando ele a olha, seus cabelos negros molhados e sua capa de chuva protegendo um terno meio molhado e amassado.

Eles – Se olham fixamente, se perdem no olhar um do outro seu cigarro e seu copo lhe escapolem pelas mãos caindo no chão, porem eles nem reparam, apenas se olham, se entendem em uma fração de segundos, não estão mas sós, não são mais um, são dois, dois indivíduos sozinho e invisíveis que se unem e se vêem, a respiração entra em sintonia, assim como suas pulsações, quando de repente um ônibus lhes corta a vista.

Ele – acorda do sonho, olha para o chão, vê o cigarro agora apagado, olha pra frente, o ônibus que ele esperava está parado na sua frente, uma velha desce, ele num lampejo se pega a porta e sobe.

Ela – acorda do sonho, olha para o chão e vê o resto do vinho escorrendo do copo que caiu em cima de uma almofada, seus olhos voltam para o ônibus, ela sente uma curiosidade enorme para voltar a ver o sujeito.

Ele – passa pela roleta, e tenta olhar pela janela novamente ela, porem o apartamento é alto para vela novamente o ônibus começa a andar, ele esta confuso, não sabe o que deve fazer, frustrado se senta no fundo do ônibus.

Ela – espera o ônibus partir, quando ele sai, o homem sumiu, apenas uma velha está do outro lada da rua andando rapidamente na tentativa de fugir da chuva, ela para e tentar entender o que ouve.

Ele – procura um cigarro na roupa porem não acha nada, ele tenta entender o que ouve, porem o ônibus já vai longe.

Eles – não entendem o que ouve, porem ambos se sentem mais leves, mais felizes, mais prontos para o fim da chuva...

Esquete: A Cor que carrega o vento.



De Sylvio Moura.

Nota do autor:

  • Diretamente gostaria de deixar claro que a peça não apresenta marcas de cena, mas não por motivos ,creio eu, para que seja verborrágico; ao contrario, creio que deve caber ao diretor e aos atores criarem marcas predominantes aos personagens, apenas marcas imprescindíveis para o trabalho foram colocadas em pauta como a entrada dos personagens e o fim da estória, agora se me perguntassem como seria a minha montagem diria claramente: _ É um espetáculo lúdico, simbólico de mimeses. Hora se o próprio termo de espetáculo teatral muitas vezes significa lúdico e simbólico, aqui me refiro ao estremo destas palavras em que o real dos personagens são a cegueira, também lembro que um se diz paralítico porem é cego, e o outro consegue através das percepções exteriores se guiar em meio a florestas e evitar despenhadeiros. Ou seja não se prenda só ao texto, mas as alternativas que a falta de marcações permite ao diretor e atores a capacidade criativa merecida do trabalho.

Dois homens entram em cena, sendo que o mais forte carrega nas costas o outro; O de cima trata o de baixo com desdém, sempre com ordens e direções, o debaixo tem um sorriso frouxo na cara mas demonstra cansaço físico alem de parecer cego, eles circulam pelo palco, até chegar a boca de cena vindo pela esquerda.


Midorim - Vamos! Direita! Eu disse direita! Agora esquerda, vai! Menos! menos esquerda, assim não está bom, mas vai! menos! (eles se viram para a direita e vão em direção a boca de cena, Mirodim, segue as ordens de Midorim, mas ambos irão cair do palco, porem, antes de colocar o pé para fora de cena Midorim para)

Mirodim – Preciso descansar. (retorna para o centro da cena)

Midorim – Mas já!? Você não passa de um preguiçoso! Não faz meia hora que paramos,

Mirodim – Na verdade tem um pouco mais de meia hora, eu sei que você sabe das coisas mas, já andamos quarenta e cinco minutos.

Midorim – E como Um burro de carga cego pode saber? Vil no seu relógio?!

Mirodim – Não... Nem se eu tivesse relógio... calculei pelas pisadas que eu dou! Se a cada três segundos equivalem a uma passada de pernas, e cada sessenta segundos são um minuto, então cada vinte passos eu andei um minuto! Como eu já dei novecentos e vinte e...

Midorim – Aproveite e veja a minha cara de impressionado! Você poderia ficar no alto da igreja gritando as horas a cada cinco minutos! Está melhor que um relógio.

Mirodim – Você gosta tanto de implicar comigo.

Midorim – Gostar... E eu tenho tempo para gostar de algo?! Mas perdoe este pobre servo se te incomodo!... Se sou tão ruim pra você... vá caminhando sozinho.

Mirodim – Não é isso o que eu quero... Eu preciso de Você Midorim, porque, como eu ia achar a estrada de tijolos amarelos sem você?!

Midorim – Exato! Tantas tarefas, tantos serviços... E a min cabe levar um cego pelas estradas...

Mirodim – Desculpe.

Midorim – Desculpe? desculpe?! Foi você que me fez... isso? Foi? Foi você que me atropelou!? Foi? Talvez fosse... afinal, só sendo cego pra não ver nada na frente da cara. Eu te odeio pelo que você me fez!

Mirodim – Calma Midorim... Não fui eu que fiz isso...

Midorim – Então não peça desculpas! Porque desculpas não vão me curar.

Mirodim – Logo estaremos em Óz! Eu sei que o mago vai te curar Midorim.

Midorim – É mesmo... E se ele não puder? E se for tudo uma mentira?

Mirodim – Ela não mentiria pra mim.

Midorim – Claro que não... quem mentiria pra você não é? A sua querida cigana? Eu? O mundo é tão bom, não é Mirodim? Nunca que as pessoas sentiriam pena de você, ninguém nunca faria isso! Se divertir com um patético cego que passou por perto? Ninguém faria isso com você.

Mirodim – Você fica engraçado quando está vermelho, mas eu não gosto quando você ta roxo.

Midorim – Como? Vermelho? Roxo? Do que você ta falando? Você enxerga?! Esse tempo todo... você tava me enganando seu filha da...

Mirodim – Não! Eu não!

Midorim – Mentira! Você mesmo disse! Você pode ver! Como você poderia saber se eu fico vermelho quando to nervoso? Am? Diga, como?

Mirodim – Foi a cigana! A cigana... Eu já te contei dela, ela me ensinou a conhecer as cores, ela me disse que o branco é como essa camisa, uma cor macia como algodão dessa camisa, uma cor calma. Foi assim que eu aprendi as cores... Não fica bravo... Midorim! Sabia que eu queria que o mundo fosse todo azul?!

Midorim – Que estupidez.

Mirodim – É sim! Eu queria que tudo fosse azul! Sabe porque? Porque a cigana me ensinou que o azul é cor de mar, de paz, de tranqüilidade, de dia fresco, da água correndo no rio, eu acho o azul tão gostoso Midorim... tudo que é bom é azul... Midorim?! Que cor é o mundo?

Midorim – Que cor?

Mirodim – É! Que cor é o mundo? Ele é azul? Ou é Verde! Será que é branco? Ou uma mistura de tudo isso!? Que cor é mais forte no mundo?!

Midorim – É cinza Mirodim, tudo cinza...

Mirodim – ...? Eu... nunca aprendi... não sei que cor é essa? Como ela é?

Midorim – como é cinza? Horas é a cor Do mundo, assim é o mundo, triste, sujo, desbotado, indiferença, sujeira, lixo...

Mirodim – Que cor triste, ainda bem que eu sou cego... assim meu mundo pode ser da cor que eu quero... pode ser cinza, mas o meu é azul!

Midorim – Mas é cinza! Afinal... O que você pode saber em? o que você pode ver?! Não passa de um cego, você não é nada! Que sempre vai depender dos outros, um merda que não tem nada nessa vida! Isso é o que somos! A merda do mundo! Você não consegue ver a roupa que bota, que se quando ta no silêncio acha que ta sozinho, que pode ficar falando horas sem ter a certeza que estão te ouvindo, estamos sozinhos neste mundo, não passamos de vermes rastejando por comida e atenção... Mirodim?!

Mirodim – O que?

Midorim – Eu só queria saber se você tava me ouvindo... afinal porque você estava ai quieto? Chorando?

Mirodim – Pensando... Você é como o vermelho, foi o que me disse a cigana, vermelho é quente como fogo, arde como pimenta, sabe? já comeu pimenta Midorim? Queima a boca, arde, faz agente chorar, as vezes você é como pimenta, quando agente tenta chegar perto você queima, tenta arder, mas em você é engraçado, entende? Você ser vermelho é engraçado.

Midorim – Então eu te faço rir?... É isso?! Eu sou uma piada! Que graça? Muito engraçado. Um merda como eu sou merecedor de risos não é Mirodim? Não é! Riam! Riam do verme inútil que não anda! Riam do infeliz que rasteja por comida! Riam!!!

Mirodim – Não Midorim! Não! Não foi isso que eu quis dizer, eu só queria dizer que...

Midorim – Que eu não passo de um palhaço! Foi isso que você disse, que eu sou merecedor de pena, lixo, foi isso não foi? Você me pegou na estrada porque tem pena de mim... Porque eu sou um merda que não pode andar sozinho, mas eu vou te contar uma coisa, nesse mundo não se pode depender dos outros. Eu não preciso de ninguém! Ouviu? Eu me rastejo, mas o faço com minhas mãos! Eu sangro por mim e não pelos outro! acredite eu posso viver minha própria vida! Se não acredita vai embora daqui. Isso! Vai embora! Vai logo! Some daqui!!!

Mirodim – Midorim...

Midorim – VAAAAI!!! Me deixa, Me larga aqui, sozinho, você não vai ser o primeiro, faz o que os outros fizeram (Pausa longa) faz o que todo mundo faz com os aleijados... Me deixa aqui, sozinho, na escuridão...(Pausa) Mirodim? Mirodim?! Mirodim!

Mirodim – Que foi?

Midorim – Droga! Porque você não respondeu logo que eu falei?

Mirodim – Você queria que eu fosse embora, fiquei triste.

Midorim – E quantas vezes eu já te mandei ir embora? Você nunca foi mesmo...

Mirodim – Você é engraçado porque é rabugento como uma pimenta, era isso que eu ia dizer. Engraçado porque arde como a pimenta, Só que isso te faz ser tão vermelho como todas as outras coisas vermelhas, como o amor, você é vermelho, como o amor, a cigana me disse que o amor é vermelho, e que as vezes arde como pimenta, como brasa quente, no final, mesmo sendo assim tão rabugento e zangado você é assim...

Midorim – Esquece, já foi, já não vale nada. (Pausa) Se agente encontrar a estrada? Como saberemos se devemos ir para sul ou norte? Leste ou oeste?

Mirodim – Fácil! É só perguntar!

Midorim – Mas que merda! Quantas vezes eu tenho que repetir? não dependemos dos outros pra viver!

Mirodim – Mas é só uma pergunta...

Midorim – Até quando você vai ser tão imbecil? Até quando eu vou ter que te ensinar? Não dependemos de ninguém. Não podemos confiar em ninguém! Nessa vida se mente até pra se ter o que se quer!

Mirodim – Então escolhemos uma das direções e vamos até o fim! Se não for lá! Bem, com certeza é pro outro lado!

Midorim – E depois? Acho melhor desistirmos já. Nunca vamos chegar, vamos estar velhos e acabados se chegarmos lá.

Mirodim Eu não ligo!

Midorim – E eu!? Eu vou ficar minha vida inteira atrás de um lugar que pode nem existir?

Mirodim – Eu te levo!

Midorim – ... O que eu já disse? Eu não preciso de ninguém! ouviu!? Ninguém!

Mirodim – Mas... Eu preciso de você.

Midorim – Você...

Mirodim – Sim!

Midorim – Porque?

Mirodim – Porque... Porque eu, ora, porque eu te amo.

Midorim – Não é essa a resposta!

Mirodim – Quando eu to perto de você eu cinto tudo vermelho, só que não é como o vermelho da pimenta, é outro vermelho, mas esquenta, faz o sangue circular no corpo, por isso é que te amo como um irmão é capaz de amar um irmão! Você me completa, agente se completa como unha e carne como olhos e pernas, como duas partes que fazem um homem! Como duas cores criam uma nova!Você é tudo que eu tenho e eu te amo por isso.

Midorim – Já falamos sobre isso! Isso é coisa de gente deformada, você parece uma aberração por dizer isso, você é uma aberração?!

Mirodim – Você é engraçado.

Midorim – E você é uma aberração. Vermelho... azul e vermelho da roxo sabia? Se clarear fica lilás...

Midorim – Não é isso, você não ta entendendo, ninguém entende, é diferente de querer como se quer uma mulher, isso é desejo, desejo é carne, eu to falando de algo... algo divino, quando estamos juntos você não me cansa, pelo contrario! Porque mesmo você sendo vermelho, foi quando eu te conheci que o mundo ficou azul. É engraçado não é? Duas cores tão diferentes, vermelho e azul. Mas, nem sempre as coisas tem sentido, não é?

Midorim – Isso não existe.

Mirodim – O que? Coisas sem sentido?

Midorim – Ninguém dá nada sem esperar algo em troca. O mundo é sujo, cinza... Negro.

Mirodim – Você sofreu tanto na vida, sem nada, que não acredita que alguém poderia te dar tudo?

Midorim – As pessoas só querem se aproveitar uma das outras, a verdade é essa, ninguém da nada de graça.

Mirodim – Eu já te dou.

Midorim – Rá! Mentiroso! Você está comigo porque precisa de alguém que enxergue pra você! E se eu te conta-se uma outra verdade? E se eu te dize-se que eu sempre pude andar? O que você diria?

Mirodim – Não ligava.

Midorim – Você não ligava?! Mentira... Você não ligava porque ainda assim teria alguém pra te direcionar...

Mirodim – Midorim, para.

Midorim – Parar? Com o que? De te dizer como o mundo é cinza? Você diz que um homem pode amar outro homem,sem prazer próprio, por amizade, mas a verdade é que todo mundo se aproveita um do outro! Você se aproveita de mim porque você é cego, mas e se eu disse-se que nós dois somos cegos? Em?! e se eu for um merda de um cego como você!? Em? O que você faria? (Pausa) Porque não diz nada? Foi embora?! (Pausa)

Mirodim – Já sabia.

Midorim – O que?

Mirodim – Eu sempre soube, pode parecer ridículo mas eu sei. Eu nasci assim, acha que eu não ia reparar? Depois de tanto tempo com você, você acha mesmo que eu não ia saber?

Midorim – Mentira.

Mirodim – Somos cegos, mas eu nasci assim, você não, você ficou com tanto medo de cair depois que ficou cego, que eu acho, não conseguiu mais andar, Mas você só é cego, como eu.

Midorim – Mentira!!! Você não tinha como saber!

Mirodim – Dês de que eu te coloquei nas minhas costas, cada vez que eu tropeço num buraco e você diz que deixou eu cair só pra ficar alerta, cada vez que você mandou eu ir direto e quase batemos numa arvore, eu sabia, e você? sabia que varias vezes quase tomamos banhos em rios, ou caímos em buracos? Agora mesmo, na nossa frente tem um precipício enorme, e você? Você não viu. Você mandou eu ir em frente, e eu não fui, mas não foi porque eu tava cansado, eu sempre enxerguei por nós dois, se isso não é amor, o que é então?

Midorim – (Pausa) ... Pena... Você teve pena de mim.

Mirodim – Pena? Não! Isso é amor! Você é tudo o que eu tenho, tudo! Minha aquarela, é você! Você que me apresenta as cores do mundo! O meu amigo, meu companheiro, meu irmão! Você é tão importante pra mim. Que eu nunca me arrependi de te carregar, você pra mim é como o ar, está lá pra me manter vivo.

Midorim – Quando você esbarrou em mim e perguntou o que eu tinha, e eu com vergonha disse que não podia andar, você simplesmente perguntou se eu era paralítico. Era tão vergonhoso ser cego que eu disse sim. E você me jogou nas costas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, dizendo, Perfeito! Eu sou cego, eu te levo, você enxerga. Nunca tive coragem de admitir minha mentira, e você sempre soube, sempre.

Mirodim – Vamos?

Midorim – Não. Eu não preciso de você.

Mirodim – Eu Sei, eu é que dependo de você.

Midorim – Mentira! Você tem pena! Pena de mim! Você nunca precisou de mim pra nada!

Mirodim – Não! Eu te amo.

Midorim – PARA!

Mirodim – Mas é Verdade!

Midorim – Então... Pula.

Mirodim – Como?

Midorim – Você não disse que faria tudo o que me faria feliz? Então pula.

Mirodim – Mas porque isso te faria feliz?!

Midorim – Eu não acredito nessa merda de amor! um homem não ama outro homem, não existe pureza! não existe uma única cor viva! apenas um conjunto de cores acinzentadas, manchadas pelos seres humanos, se você pular vai provar que isso está errado, e eu me calo, se você não pular, vai entender que o mundo é cinza, e vai parar com essa palhaçada de amor, ou qualquer baboseira dessas.

Mirodim – Mas se eu morrer? você não vai mais me ter pra te ajudar.

Midorim – Eu Já disse que não preciso de ninguém!!! Você não diz que acredita no amor? Me prova que você não tava errado! Me mostra que todo esse tempo você teve amor e não pena. O ser perfeito. Mundo azul!? Baboseira! O mundo é cinza! Cinza ouviu, não existe vermelho, verde, amarelo ou azul, só cinza e preto, tudo o que eu vejo agora é preto, e tudo o que eu sinto é cinza! Esse é o mundo! É todas as cores que gente como nós tem!

Mirodim – Você tem razão. (Pula para o abismo)

Midorim – Eu sei. Agora vamos parar com essa palhaçada de vermelho e de amor. vamos embora! já é tarde e eu estou cansado de ficar parado, eu to cansado disso... Eu sei, é triste saber que a verdade é uma mentira, vai doer, mas, mas você vai ver, é melhor assim, sem dor, sem medo, pra se viver nesse mundo, não se pode ser inocente, vamos parar com isso, vamos achar essa maldita estrada de tijolos amarelos, eu sou útil sabe? Vou te ensinar a sobreviver, nesse mundo, você é inocente demais pra ele, agora vem, me pega.(Pausa) Para com isso Mirodim, e vem logo.(Pausa) Já não disse pra irmos?(Pausa) Mirodim.(Pausa) Mirodim?(Pausa) Mirodim, para com essa besteira de ficar em silencio que me deixa nervoso. (Pausa) Mirodim. Mirodim me diz que você ta ai? (Pausa) Mirodim? Mirodim?! (Pausa) Não, você não...Mirodim!!!(Pausa) Mirodim!!! (Pausa) Mirodim!!! Não me deixa só Mirodim! Por favor!!! Se você acredita mesmo nessa palhaçada de amor volta!!! Mirodim!!! Volta!!! Mirodim!!!



Esquete:“Essência Viva em Paginas Mortas”

De Sylvio Moura

Idéia de cena: local fechado com vários livros (ou tudo imaginário) em que á livros por todo o espaço formando cadeira mesa e objetos cênicos em geral alem de canetas e cadernos de anotação, em cena encontra-se Astrogildo, jovem, mal arrumado de porte físico descuidado assim como as roupas, ele anda de um lado para o outro fazendo pesquisa e fazendo anotações como se mais nada importasse alem de seus estudos.

Astrogildo (Lendo o Dicionário) Deus: Um; Ser infinito, perfeito, criador do universo. “Com inicial maiúscula” Dois; Nas religiões politeístas divindade masculina superior aos homens, Senhor do destino e da vida. (anota; procura em outra letra do dicionário) Mor: sincopada de maior. Sincopada? (procura em outra letra do dicionário) Sincopada... sincopada... sincope... Sincopar?... Sincopar: Um; Gramática. Suprimir letra ou silaba de. Dois; Mudar o ritimo de. Ou seja! Deus-Mor é Deus maior!!! Interessante. (ainda lendo coisas em livros sem olhar a para quem fala) ola? (Pausa) O que foi? Pensou que eu não tinha te visto ai? (riso contido) claro, é sempre assim, acham que estou tão compenetrado nas minhas leituras que não posso dar atenção para uma outra coisa ou pessoa. Tudo bem eu já estou mais que acostumado com isso. Isso que você deve estar se perguntando não é? Há isso de focar em duas coisas ao mesmo tempo, leitura e... Bem qualquer outra coisa. (riso contido) Como se eu fizesse muitas outras coisas. (pausa) Olha só! Cadê minha educação? Prazer Astrogildo. Sente-se, por favor. Mas cuidado! Cuidado com os livros que se encontram sobre, e sob o sofá. É que eu não gostaria de, machuca-los, não, não digo do senhor, digo dos livros!... Sim os livros, Claro que eu não os considero seres vivos, não, não. Mas quando se tem como único amigo seres fiquiticios ou inanimados, - INANIMADO; UM: QUE NÃO TEM VIDA; DOIS: QUE NÃO DÁ SINAL DE VIDA. você começa, á considera-los, seres pensantes, vivos! Pois sim, para mim, os livros têm alma! Mais que todos os organismos vivos da face do planeta! E nos coloco, eu e você, o homem como o todo, menor e menos vivo que os livros! Pois sim!? Porque não? Afinal, o que são os livros?! Palavras? Reles palavras? PALAVRA; UM: SOM OU COMBINAÇÃO DE SONS QUE TEM SIGUINIFICADO E FORMA UMA UNIDADE LINGÜISTICA INDEPENDENTE; DOIS: REPRESENTAÇÃO ESCRITA OU IMPRESSA DESSE SOM OU COMBINAÇÃO DE SONS. Pois afirmo amigo, que um livro concentra em 300 paginas, o conhecimento de 100 homens, ou a mais pura poesia vista, e o que é poesia alem da essência viva do poeta. Se toda poesia é viva. Um livro que contenha em si mil poesias não estaria mais vivo que o poeta que as escreveu? E afinal o que é mais rendoso? Um tomate ou uma lata contendo o estrato de vários tomates? Não seria o livro o estrato da essência viva do homem? Quantos homens escreveram para se tornarem imortais? Quantos possuem uma biblioteca em suas cabeças? E quantos escreveram o suficiente para criar uma biblioteca! BIBLIOTECA; UM: COLEÇÃO DE LIVROS CATALOGADOS; DOIS: SALA OU EDIFICIO ONDE SE ENCONTRA ESSA COLEÇÃO. Quem é mais sábio? Aquele que escreve um livro? Ou aquele que o lê? Se quem o lê, lê mil livros e quem escreve apenas escreve um, quem é mais sábio?(Pausa; Para si) talvez aquele que não saiba ler... (Voltando á si) Perdão, não é que eu queira assustá-lo, mas quando eu falo de livros... Me torno... Torno-me um... Uma besta culta. Um tolo intelectualizado. BESTA; UM: QUALQUER ANIMAL QUADRÚPEDE DE GRANDE PORTE DESTINADO AO TRANSPORTE DE CARGA; DOIS: ANIMALIDADE DO HOMEM E SEUS INSTINTOS; TRÊS PESSOA RIDICULAMENTE PRETENSIOSA OU PEDANTE, QUE A TODOS CAUSA INCOMODO SÓ PELA PRESENÇA. É que como passei mais de 80 por cento da minha vida enfurnado na frente de livros... Sim mais de 80 por cento, mais exatamente 81 por cento de minha vida bruta, bruta no sentido de sem o devido desconto, ou seja o total, afinal se considerarmos que: um dia tem 24 horas, um ano tem 365 ou 366 dias quando bissexto e eu em 26 anos passei por 6, tenho um total de 227904 horas vivos, porem comecei a ler aos 5 anos o que dá menos 43824 horas, num total de183936 horas lendo, logo tenho 81 por sento de vida em frente a livros, porem se tirarmos as 8 horas de sono e mais umas 3 para situações variadas por dia, poderia dizer que vivi, aproximadamente... 79624 horas da minha vida, entre livros, o que dá míseros 35 por sento do total que eu vivi até agora com um livro nas mãos, mas seria mentira essa afirmação, afinal raríssimas são as vezes em que chego á dormir 8 horas noite, e somente paro de ler para tomar banho, o que me leva a crer, que devo ter passado um pouco dessa conta, mas toda essa informação é completamente inútil, não concorda? De que importa passar mais de 80 por sento da minha vida vivida... Vivida em termos devo esclarecer... em frente á livros, se nada disso me ajuda com todo o resto, que resto? Com á mais difícil de todas as ciências! Á ciência humana, sim, conviver com todos os seres humanos é talvez uma das formas mais aterradoras de que tenho ouvido falar. Disseram-me que se eu detivesse conhecimento suficiente para entender o ser, seria o mais abio em qualquer coisa que eu tentasse, mas acredite meu caro amigo! ISSO É A MAIS PURA CALUNIA!!! Meu caro, eu venho estudando cada livro que me chega às mãos á anos e, no entanto veja minha situação. Queria ser poeta, no entanto sou o um dos melhores administradores de computação que já se ouviu falar no mercado atual. Mas com o perdão da utilização de tal verbete, FODA-SE!!! EU QUERIA SER POETA!!! Porem, meus pais e mestres diziam – me sempre. Com uma mente tão brilhante assim? Você não pode jogar “seu futuro” numa profissão “sem futuro” como essa, seja Administrador de Sistemas! “É o futuro!!!” Como diria um outro poeta já falecido, se é que foi ele o autor da frase, Eu Vejo o “Futuro repetir o passado” sabe tudo que aprendi neste emprego? Sabe qual a coisa mais importante que aprendi? Veja essa biblioteca! Sabe quantos livros tem aqui? Consegue imaginar quantos livros eu consegui colocar nesta biblioteca dês dos meus cinco anos de idade? 189384 livros dês de assuntos como as teorias filosóficas de Aristóteles, até poesias escritas por Maria Fernanda Pinto. Pois foi isso que aprendi com computadores, que toda essa informação, cabe em 48 por cento de um disco rígido de porte médio. 189384 livros em um computador agora sabemos quem é o mais inteligente, não concorda? (Ri; Pausa) Sabe o que mais, não importa quantos livros eu leia, nunca tive um amigo humano, digo humano, porque os livros são verdadeiros companheiros! Não acha? Se não são... Não, com certeza eles são, tem que ser, são tudo o que tenho. (Aos prantos) Tudo! Tudo!!! (Pausa) Sabe qual é o nome do meu filho mais novo? Não? E do mais velho? Você não conheceu minha esposa? Não?! (Ri) Nem eu! Pois é assim, neste mundo. Quem amaria um obeso leitor quatro olhos que só pensa em livros? Não á louca no mundo. E se existe, deve estar esperando que um sapo como eu, ao mínimo venha lhe coaxar a janela, e eu, bem eu? Eu não teria nem coragem de olhá-la o rosto, os livros sempre ensinam que homens como eu, estão mais para os vilões, porem não sou um vilão! Sou apenas um covarde. Que não vivo á poesia que leio... Como? Sim! Já quis ser poeta sim! Porem desisti, a muito tempo atrás, quando ainda sonhava, hoje não! Eu agora sou adulto! Vivo a realidade. Realidade... Real... O que é real? UM: RELATIVO OU PERTENCENTE AO REI OU Á REALEZA; FAMILIA REAL; DOIS: QUE EXISTE DE FATO; VERDADEIRO;TRÊS: GENUINO; AUTENTICO; NÃO ARTIFICIAL; QUATRO: REALIDADE; CINCO: UNIDADE MONETARIA E MOEDA DO BRASIL DESDE PRIMEIRO DE JULHO DE MIL NOVECENTOS E NOVENTA E QUATRO. Mas eu tive uma filha, gostaria de conhece-la? Espere um pouco, (Procura entre os livros; acha um papel envelhecido e amassado, que foi lido muitas vezes) estava aqui á danada, mas pronto, posso lê-la para que você á conheça.

A casa está abandonada.

A casa esta com Portas e janelas arregaçadas.

Não tem vida dentro da casa.

Apenas um tapete vermelho

Velho e desbotado

Largado na entrada

Mas não recebe nada..

Sem mobília, desdentada.

Apenas uma brisa insistente!

Que hora vem, que hora vai, mais nada.

Não tem mais um som aquela casa.

Nem de festa, nem de desgraça.

Um mato grande cobre toda casa.

Casa descuidada e sem vida.

Largada e perdida.

Está meio tombada,

Caída para a direita,

Janelas aberta, injetadas, parada.

Parece que mais nada acontece na casa.

Não a mais nada.

E o ultimo morador Levou a chave.

Ninguém entra,

Ninguém sai.

Ruim não? Não precisa mentir! Eu sei que é ruim! E foi minha única filha. Filha feia de pai solteiro... (Pausa) filha única e feia. Não nasci para a poesia! isso foi o que me dizeram. O que você acha? Eu sou tolo por ter acreditado nos outros, acomodado por saber que seria fantasiosamente mais fácil? Eu acho que é por causa de minha covardia, é mais fácil apenas ler, que escrever poesias. É mais fácil ver o mundo que viver-lo, sempre vi o mundo em duas dimensões, sabe qual é o cheiro das rosas? Tem cheiro de papel. E o campo? O campo depois da chuva no fim de tarde com pássaros ao fundo, sabe que cheiro tem? Papel, e vai envelhecendo, é um cheiro que quanto mais tempo tem o livro mais cheiro de velho e mofado tem, e eu tenho cheiro de mofo! Eu estou mofado como os livros que cobrem as prateleiras desse quarto. Sem janelas por causa do sol, da chuva e do vento, me pergunto como é o cheiro da vida! Creio que é cheiro de papel mofado. E papel novo? Que cheiro tem? Eu já tenho ha tanto tempo estes Livros velhos, que não reconheceria o cheiro do papel recém saído da prensa?! Quantas coisas tenho eu para experimentar! Viver?! quanto tempo ainda me resta? Quanto tempo me falta?... Eu quero que encaixote tudo! Todos estes malditos amigos literários de que tenho em vista! Todos, que não fique nem um! Não siga ordens ou códigos para guardá-los, apenas os encaixote, o mais rápido que puder! Leve todas as caixas para o quintal e coloque sobre o piso de pedra, queime todos! Sim todos! Não quero que reste nem um! Deixe que o fogo espalhe pela casa e que incinere todo este mundo podre e mofado! Levo apenas um bloco de notas, essa caneta velha e... Minha filha única, minha única poesia... Deixo agora toda a poesia dos papéis! Deixo de ler a poesia para vivê-la. Adeus. (Sai)

Esquete:A carne ainda lhe é fixa nos ossos?

(De Sylvio Moura)

Palco vazio entra uma mulher mal vestida e desgrenhada, ela observa cada pessoa na platéia com uma mistura de curiosidade e nojo, se possível deixando a platéia desconfortável até que comece a falar.

Mulher Carianbalau nietelebeleiete!!! (Ofegante) Eu, vejo um novo começo de eras, cabulo uxum, demaloae, demoe, de gente fina, elegante e sincera, cantibiuram sebodu ada nono, com afinidade pra dizer mais não do que sim... (pausa) O tempo voa (ri), escorre... (pausa) Tempo? (ri) Temos algum tempo? (pausa) O que é tempo? O tempo o que é? O tempo é algo contável? Podemos contá-lo? Podemos dividir o tempo? Como?! Marcando o tempo em relógios? (ri) Separando por dias? Meses? Ou por Estações? Claro, por anos! Ou por vidas? Alguém me diga como saberemos separar o tempo? Se um ano pro homem, são sete para o pobre cão? (pausa) E se alguns vivem cem anos e outros, bem... Nem tem tempo para viver. (pausa) Mas nós que aqui estamos teremos mais tempo do que só o hoje e o agora! Mais que um misero segundo. Não é? Temos tanto tempo quanto o tempo permitir termos. Viveremos ainda tantos anos. Então, não se arrependam meus filhos, pois ainda não é chegada a hora do julgamento! Aproveitemos os prazeres da carne, toque no meio das pernas daqueles que sentam ao vosso lado, sintam o prazer de serem tocados, masturbem-se e sejam masturbados, aproveite os prazeres da carne enquanto a carne ainda lhe é fixa nos ossos. Aproveitemos para fugir dos olhos de Deus e deitemo-nos nas cavernas obscuras da falsidade humana! Tenhamos os prazeres da carne e da alma! Esqueçamos responsabilidades! Gozem; gozem; gozem; raaa gozem radixs; (em estase) gozem!!! Ratrobouluantumtobolomaiotêbelietisgo!!! (volta ao normal) Depois comam (pausa), se empanturrem de comida fresca, esplodam comendo todos os bons alimentos que Deus criou e que a ciência reinventou, guardem cada centavo que vossas mães têm a vos oferecer, sejam ricos até que vossas almas sejam podres e nojentas, tenham tudo o que puderem carregar, destruam seus inimigos sem o receio de ter que perdoar, suguem tudo o que a terra tem a vos oferecer, aproveitem, pois ainda não é chegado o dia do julgamento! Cometam todos os 70 pecados capitais! Se entorpeçam, se alimentem, usufruam, curtam, joguem, apostem, dominem, vivam! E foda-se quem quiser viver. Curiosos pela minha presença aqui? (ri) Devo-lhes dizer meus motivos? Vocês querem me entender? Ou estão tentando fingir que não me entendem? Devo apresentar-lhes minhas “verdades”? (ri) Eu apenas vejo, e eu vejo um novo começo de eras, vejo no poente da amargura cristã, uma nova era de calor e brilho, de noites claras e quentes, com o cheiro de corpos ardendo nas novas fogueiras inquisidoras. Pai contra filho, filho contra pai, irmão contra irmão, um sentimento de amor e preconceito renovado de cada dia, em que escondidos em vestes longas de vaidades, bem costuradas, se disfarçam numa torrente festa de máscaras, escondendo suas faces deformadas e corruptíveis. Parem! (pausa) Culpemos o outro, (ri) não aceitemos que a culpa seja nossa, afinal, eu sou apenas um jovem freqüentador de igrejas, que doou mensalmente o MEU dízimo, faço parte do grupo de ajuda ao jovem infrator, ajudo a velhinha á atravessar a rua, doou roupas aos necessitados, não vejo revista de mulher pelada, doou esmola ao mendigo, não chamo negro de macaco, nem branco de azedo, nem gordo de baleia, nem mulher de frágil, não brigo com vizinho, nem bebo até cair, replanto árvores, só uso papel reciclado, jogo lixo na lixeira e sou um cidadão respeitável, nunca comi minha prima, nem minha vizinha, eu nunca dei pro meu chefe querendo aumento salarial, nem nos meus mais tenebrosos e desejosos pensamentos... (ri histericamente) eu cometi algum pecado. (pausa histérica) Fujamos do compromisso de ser-mos nós... (pausa) Digo... (pausa) EU, Diga: eu. O culpado pelo mundo deformado que nos cobre, e que nos corrói. Que culpa tem EU, por um mundo violentado e violento, estuprado pelo pênis dos Burros, sugado pelos carrapatos, que secam todo o fluído vital da terra e transformam florestas verdejantes em desertos escaldantes, deixando um rastro de desolação e morte, que culpa tem EU! Por existirem na História humana, milhares de outros homens, que esganiçaram essa terra! Que responsável sou eu por este mundo?! Eu apenas vivo aqui... (ri forte) não é? (pausa; resmunga) Vivo; (pausa) vivo? Até quando eu vivo? Até Deus deixar? Até Deus permitir? Até o mundo acabar? Ate mais nada se puder fazer? Até! Até, até; Humanos; Patéticos, humanos que vêem novas eras, esperançosos por mudanças... Mas não se preocupam em mudar a si!!! Vocês não mudam a si mesmos, e querem que o mundo mude?! Revivem diariamente os mesmos erros de ontem e de ante ontem e de antes de ante ontem... Não, espere! O deiê baluaté, baluaté, o deiê baluaté! Não, não são os mesmos erros de outrem. Antes atacávamos pedras, agora botamos em câmaras de gás ou cadeiras elétricas, o que era escravo, agora é assalariado, o que antes era negrinho, agora é marginal, mas porque todo negro é marginal?... Bruxas! Cantábalaio! Bruxas; Mulheres recalcadas por não terem um pênis para si; (ri e para der repente) antes brigávamos com as mãos por nossa honra, agora se resolve tudo com o chumbo ardente, e a honra? Honra?! Que honra? O que é honra? O que são palavras nas bocas de homens insanos? Racismo, machismo, feminismo, nacionalismo, terrorismo, vandalismo, o time do meu coração! O que EU tenho com isso? Otrobaloie (cospe no chão) O que resta para nós, o que fiz EU para me sentir culpado? Não fizemos nada, nada, talvez seja isso. Não nos preocupemos, coloquemos um olho de boi dentro do copo com sal e atrás da porta, tomemos o copo d’água, que ficou na frente do rádio na hora da oração, tomemos banho de arruda com boldo, para limpar e fechar o corpo, levemos alho na bolsa para nos proteger, tiremos toda a culpa das costas e sigamos esta nova era, de desejos e felicidades. Vivamos sem o medo de ser-mos felizes, pois ainda é carnaval. Sejamos Cegos, surdos, mudos e mentirosos! Ignorantes! ; Gente fina. Elegante. Sincera... (Sai).