segunda-feira, 5 de abril de 2010

Esquete: A Cor que carrega o vento.



De Sylvio Moura.

Nota do autor:

  • Diretamente gostaria de deixar claro que a peça não apresenta marcas de cena, mas não por motivos ,creio eu, para que seja verborrágico; ao contrario, creio que deve caber ao diretor e aos atores criarem marcas predominantes aos personagens, apenas marcas imprescindíveis para o trabalho foram colocadas em pauta como a entrada dos personagens e o fim da estória, agora se me perguntassem como seria a minha montagem diria claramente: _ É um espetáculo lúdico, simbólico de mimeses. Hora se o próprio termo de espetáculo teatral muitas vezes significa lúdico e simbólico, aqui me refiro ao estremo destas palavras em que o real dos personagens são a cegueira, também lembro que um se diz paralítico porem é cego, e o outro consegue através das percepções exteriores se guiar em meio a florestas e evitar despenhadeiros. Ou seja não se prenda só ao texto, mas as alternativas que a falta de marcações permite ao diretor e atores a capacidade criativa merecida do trabalho.

Dois homens entram em cena, sendo que o mais forte carrega nas costas o outro; O de cima trata o de baixo com desdém, sempre com ordens e direções, o debaixo tem um sorriso frouxo na cara mas demonstra cansaço físico alem de parecer cego, eles circulam pelo palco, até chegar a boca de cena vindo pela esquerda.


Midorim - Vamos! Direita! Eu disse direita! Agora esquerda, vai! Menos! menos esquerda, assim não está bom, mas vai! menos! (eles se viram para a direita e vão em direção a boca de cena, Mirodim, segue as ordens de Midorim, mas ambos irão cair do palco, porem, antes de colocar o pé para fora de cena Midorim para)

Mirodim – Preciso descansar. (retorna para o centro da cena)

Midorim – Mas já!? Você não passa de um preguiçoso! Não faz meia hora que paramos,

Mirodim – Na verdade tem um pouco mais de meia hora, eu sei que você sabe das coisas mas, já andamos quarenta e cinco minutos.

Midorim – E como Um burro de carga cego pode saber? Vil no seu relógio?!

Mirodim – Não... Nem se eu tivesse relógio... calculei pelas pisadas que eu dou! Se a cada três segundos equivalem a uma passada de pernas, e cada sessenta segundos são um minuto, então cada vinte passos eu andei um minuto! Como eu já dei novecentos e vinte e...

Midorim – Aproveite e veja a minha cara de impressionado! Você poderia ficar no alto da igreja gritando as horas a cada cinco minutos! Está melhor que um relógio.

Mirodim – Você gosta tanto de implicar comigo.

Midorim – Gostar... E eu tenho tempo para gostar de algo?! Mas perdoe este pobre servo se te incomodo!... Se sou tão ruim pra você... vá caminhando sozinho.

Mirodim – Não é isso o que eu quero... Eu preciso de Você Midorim, porque, como eu ia achar a estrada de tijolos amarelos sem você?!

Midorim – Exato! Tantas tarefas, tantos serviços... E a min cabe levar um cego pelas estradas...

Mirodim – Desculpe.

Midorim – Desculpe? desculpe?! Foi você que me fez... isso? Foi? Foi você que me atropelou!? Foi? Talvez fosse... afinal, só sendo cego pra não ver nada na frente da cara. Eu te odeio pelo que você me fez!

Mirodim – Calma Midorim... Não fui eu que fiz isso...

Midorim – Então não peça desculpas! Porque desculpas não vão me curar.

Mirodim – Logo estaremos em Óz! Eu sei que o mago vai te curar Midorim.

Midorim – É mesmo... E se ele não puder? E se for tudo uma mentira?

Mirodim – Ela não mentiria pra mim.

Midorim – Claro que não... quem mentiria pra você não é? A sua querida cigana? Eu? O mundo é tão bom, não é Mirodim? Nunca que as pessoas sentiriam pena de você, ninguém nunca faria isso! Se divertir com um patético cego que passou por perto? Ninguém faria isso com você.

Mirodim – Você fica engraçado quando está vermelho, mas eu não gosto quando você ta roxo.

Midorim – Como? Vermelho? Roxo? Do que você ta falando? Você enxerga?! Esse tempo todo... você tava me enganando seu filha da...

Mirodim – Não! Eu não!

Midorim – Mentira! Você mesmo disse! Você pode ver! Como você poderia saber se eu fico vermelho quando to nervoso? Am? Diga, como?

Mirodim – Foi a cigana! A cigana... Eu já te contei dela, ela me ensinou a conhecer as cores, ela me disse que o branco é como essa camisa, uma cor macia como algodão dessa camisa, uma cor calma. Foi assim que eu aprendi as cores... Não fica bravo... Midorim! Sabia que eu queria que o mundo fosse todo azul?!

Midorim – Que estupidez.

Mirodim – É sim! Eu queria que tudo fosse azul! Sabe porque? Porque a cigana me ensinou que o azul é cor de mar, de paz, de tranqüilidade, de dia fresco, da água correndo no rio, eu acho o azul tão gostoso Midorim... tudo que é bom é azul... Midorim?! Que cor é o mundo?

Midorim – Que cor?

Mirodim – É! Que cor é o mundo? Ele é azul? Ou é Verde! Será que é branco? Ou uma mistura de tudo isso!? Que cor é mais forte no mundo?!

Midorim – É cinza Mirodim, tudo cinza...

Mirodim – ...? Eu... nunca aprendi... não sei que cor é essa? Como ela é?

Midorim – como é cinza? Horas é a cor Do mundo, assim é o mundo, triste, sujo, desbotado, indiferença, sujeira, lixo...

Mirodim – Que cor triste, ainda bem que eu sou cego... assim meu mundo pode ser da cor que eu quero... pode ser cinza, mas o meu é azul!

Midorim – Mas é cinza! Afinal... O que você pode saber em? o que você pode ver?! Não passa de um cego, você não é nada! Que sempre vai depender dos outros, um merda que não tem nada nessa vida! Isso é o que somos! A merda do mundo! Você não consegue ver a roupa que bota, que se quando ta no silêncio acha que ta sozinho, que pode ficar falando horas sem ter a certeza que estão te ouvindo, estamos sozinhos neste mundo, não passamos de vermes rastejando por comida e atenção... Mirodim?!

Mirodim – O que?

Midorim – Eu só queria saber se você tava me ouvindo... afinal porque você estava ai quieto? Chorando?

Mirodim – Pensando... Você é como o vermelho, foi o que me disse a cigana, vermelho é quente como fogo, arde como pimenta, sabe? já comeu pimenta Midorim? Queima a boca, arde, faz agente chorar, as vezes você é como pimenta, quando agente tenta chegar perto você queima, tenta arder, mas em você é engraçado, entende? Você ser vermelho é engraçado.

Midorim – Então eu te faço rir?... É isso?! Eu sou uma piada! Que graça? Muito engraçado. Um merda como eu sou merecedor de risos não é Mirodim? Não é! Riam! Riam do verme inútil que não anda! Riam do infeliz que rasteja por comida! Riam!!!

Mirodim – Não Midorim! Não! Não foi isso que eu quis dizer, eu só queria dizer que...

Midorim – Que eu não passo de um palhaço! Foi isso que você disse, que eu sou merecedor de pena, lixo, foi isso não foi? Você me pegou na estrada porque tem pena de mim... Porque eu sou um merda que não pode andar sozinho, mas eu vou te contar uma coisa, nesse mundo não se pode depender dos outros. Eu não preciso de ninguém! Ouviu? Eu me rastejo, mas o faço com minhas mãos! Eu sangro por mim e não pelos outro! acredite eu posso viver minha própria vida! Se não acredita vai embora daqui. Isso! Vai embora! Vai logo! Some daqui!!!

Mirodim – Midorim...

Midorim – VAAAAI!!! Me deixa, Me larga aqui, sozinho, você não vai ser o primeiro, faz o que os outros fizeram (Pausa longa) faz o que todo mundo faz com os aleijados... Me deixa aqui, sozinho, na escuridão...(Pausa) Mirodim? Mirodim?! Mirodim!

Mirodim – Que foi?

Midorim – Droga! Porque você não respondeu logo que eu falei?

Mirodim – Você queria que eu fosse embora, fiquei triste.

Midorim – E quantas vezes eu já te mandei ir embora? Você nunca foi mesmo...

Mirodim – Você é engraçado porque é rabugento como uma pimenta, era isso que eu ia dizer. Engraçado porque arde como a pimenta, Só que isso te faz ser tão vermelho como todas as outras coisas vermelhas, como o amor, você é vermelho, como o amor, a cigana me disse que o amor é vermelho, e que as vezes arde como pimenta, como brasa quente, no final, mesmo sendo assim tão rabugento e zangado você é assim...

Midorim – Esquece, já foi, já não vale nada. (Pausa) Se agente encontrar a estrada? Como saberemos se devemos ir para sul ou norte? Leste ou oeste?

Mirodim – Fácil! É só perguntar!

Midorim – Mas que merda! Quantas vezes eu tenho que repetir? não dependemos dos outros pra viver!

Mirodim – Mas é só uma pergunta...

Midorim – Até quando você vai ser tão imbecil? Até quando eu vou ter que te ensinar? Não dependemos de ninguém. Não podemos confiar em ninguém! Nessa vida se mente até pra se ter o que se quer!

Mirodim – Então escolhemos uma das direções e vamos até o fim! Se não for lá! Bem, com certeza é pro outro lado!

Midorim – E depois? Acho melhor desistirmos já. Nunca vamos chegar, vamos estar velhos e acabados se chegarmos lá.

Mirodim Eu não ligo!

Midorim – E eu!? Eu vou ficar minha vida inteira atrás de um lugar que pode nem existir?

Mirodim – Eu te levo!

Midorim – ... O que eu já disse? Eu não preciso de ninguém! ouviu!? Ninguém!

Mirodim – Mas... Eu preciso de você.

Midorim – Você...

Mirodim – Sim!

Midorim – Porque?

Mirodim – Porque... Porque eu, ora, porque eu te amo.

Midorim – Não é essa a resposta!

Mirodim – Quando eu to perto de você eu cinto tudo vermelho, só que não é como o vermelho da pimenta, é outro vermelho, mas esquenta, faz o sangue circular no corpo, por isso é que te amo como um irmão é capaz de amar um irmão! Você me completa, agente se completa como unha e carne como olhos e pernas, como duas partes que fazem um homem! Como duas cores criam uma nova!Você é tudo que eu tenho e eu te amo por isso.

Midorim – Já falamos sobre isso! Isso é coisa de gente deformada, você parece uma aberração por dizer isso, você é uma aberração?!

Mirodim – Você é engraçado.

Midorim – E você é uma aberração. Vermelho... azul e vermelho da roxo sabia? Se clarear fica lilás...

Midorim – Não é isso, você não ta entendendo, ninguém entende, é diferente de querer como se quer uma mulher, isso é desejo, desejo é carne, eu to falando de algo... algo divino, quando estamos juntos você não me cansa, pelo contrario! Porque mesmo você sendo vermelho, foi quando eu te conheci que o mundo ficou azul. É engraçado não é? Duas cores tão diferentes, vermelho e azul. Mas, nem sempre as coisas tem sentido, não é?

Midorim – Isso não existe.

Mirodim – O que? Coisas sem sentido?

Midorim – Ninguém dá nada sem esperar algo em troca. O mundo é sujo, cinza... Negro.

Mirodim – Você sofreu tanto na vida, sem nada, que não acredita que alguém poderia te dar tudo?

Midorim – As pessoas só querem se aproveitar uma das outras, a verdade é essa, ninguém da nada de graça.

Mirodim – Eu já te dou.

Midorim – Rá! Mentiroso! Você está comigo porque precisa de alguém que enxergue pra você! E se eu te conta-se uma outra verdade? E se eu te dize-se que eu sempre pude andar? O que você diria?

Mirodim – Não ligava.

Midorim – Você não ligava?! Mentira... Você não ligava porque ainda assim teria alguém pra te direcionar...

Mirodim – Midorim, para.

Midorim – Parar? Com o que? De te dizer como o mundo é cinza? Você diz que um homem pode amar outro homem,sem prazer próprio, por amizade, mas a verdade é que todo mundo se aproveita um do outro! Você se aproveita de mim porque você é cego, mas e se eu disse-se que nós dois somos cegos? Em?! e se eu for um merda de um cego como você!? Em? O que você faria? (Pausa) Porque não diz nada? Foi embora?! (Pausa)

Mirodim – Já sabia.

Midorim – O que?

Mirodim – Eu sempre soube, pode parecer ridículo mas eu sei. Eu nasci assim, acha que eu não ia reparar? Depois de tanto tempo com você, você acha mesmo que eu não ia saber?

Midorim – Mentira.

Mirodim – Somos cegos, mas eu nasci assim, você não, você ficou com tanto medo de cair depois que ficou cego, que eu acho, não conseguiu mais andar, Mas você só é cego, como eu.

Midorim – Mentira!!! Você não tinha como saber!

Mirodim – Dês de que eu te coloquei nas minhas costas, cada vez que eu tropeço num buraco e você diz que deixou eu cair só pra ficar alerta, cada vez que você mandou eu ir direto e quase batemos numa arvore, eu sabia, e você? sabia que varias vezes quase tomamos banhos em rios, ou caímos em buracos? Agora mesmo, na nossa frente tem um precipício enorme, e você? Você não viu. Você mandou eu ir em frente, e eu não fui, mas não foi porque eu tava cansado, eu sempre enxerguei por nós dois, se isso não é amor, o que é então?

Midorim – (Pausa) ... Pena... Você teve pena de mim.

Mirodim – Pena? Não! Isso é amor! Você é tudo o que eu tenho, tudo! Minha aquarela, é você! Você que me apresenta as cores do mundo! O meu amigo, meu companheiro, meu irmão! Você é tão importante pra mim. Que eu nunca me arrependi de te carregar, você pra mim é como o ar, está lá pra me manter vivo.

Midorim – Quando você esbarrou em mim e perguntou o que eu tinha, e eu com vergonha disse que não podia andar, você simplesmente perguntou se eu era paralítico. Era tão vergonhoso ser cego que eu disse sim. E você me jogou nas costas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, dizendo, Perfeito! Eu sou cego, eu te levo, você enxerga. Nunca tive coragem de admitir minha mentira, e você sempre soube, sempre.

Mirodim – Vamos?

Midorim – Não. Eu não preciso de você.

Mirodim – Eu Sei, eu é que dependo de você.

Midorim – Mentira! Você tem pena! Pena de mim! Você nunca precisou de mim pra nada!

Mirodim – Não! Eu te amo.

Midorim – PARA!

Mirodim – Mas é Verdade!

Midorim – Então... Pula.

Mirodim – Como?

Midorim – Você não disse que faria tudo o que me faria feliz? Então pula.

Mirodim – Mas porque isso te faria feliz?!

Midorim – Eu não acredito nessa merda de amor! um homem não ama outro homem, não existe pureza! não existe uma única cor viva! apenas um conjunto de cores acinzentadas, manchadas pelos seres humanos, se você pular vai provar que isso está errado, e eu me calo, se você não pular, vai entender que o mundo é cinza, e vai parar com essa palhaçada de amor, ou qualquer baboseira dessas.

Mirodim – Mas se eu morrer? você não vai mais me ter pra te ajudar.

Midorim – Eu Já disse que não preciso de ninguém!!! Você não diz que acredita no amor? Me prova que você não tava errado! Me mostra que todo esse tempo você teve amor e não pena. O ser perfeito. Mundo azul!? Baboseira! O mundo é cinza! Cinza ouviu, não existe vermelho, verde, amarelo ou azul, só cinza e preto, tudo o que eu vejo agora é preto, e tudo o que eu sinto é cinza! Esse é o mundo! É todas as cores que gente como nós tem!

Mirodim – Você tem razão. (Pula para o abismo)

Midorim – Eu sei. Agora vamos parar com essa palhaçada de vermelho e de amor. vamos embora! já é tarde e eu estou cansado de ficar parado, eu to cansado disso... Eu sei, é triste saber que a verdade é uma mentira, vai doer, mas, mas você vai ver, é melhor assim, sem dor, sem medo, pra se viver nesse mundo, não se pode ser inocente, vamos parar com isso, vamos achar essa maldita estrada de tijolos amarelos, eu sou útil sabe? Vou te ensinar a sobreviver, nesse mundo, você é inocente demais pra ele, agora vem, me pega.(Pausa) Para com isso Mirodim, e vem logo.(Pausa) Já não disse pra irmos?(Pausa) Mirodim.(Pausa) Mirodim?(Pausa) Mirodim, para com essa besteira de ficar em silencio que me deixa nervoso. (Pausa) Mirodim. Mirodim me diz que você ta ai? (Pausa) Mirodim? Mirodim?! (Pausa) Não, você não...Mirodim!!!(Pausa) Mirodim!!! (Pausa) Mirodim!!! Não me deixa só Mirodim! Por favor!!! Se você acredita mesmo nessa palhaçada de amor volta!!! Mirodim!!! Volta!!! Mirodim!!!



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